Como parte de projeto pedagógico, alunos montam espetáculo teatral que aborda temáticas delicadas
Uma peça de teatro cujo enredo expõe os preconceitos e vulnerabilidades a que estão sujeitos travestis e garotos de programa, a hipocrisia de quem os discrimina, mas explora a baixa autoestima dessas pessoas e as condições criadas para que não lhes reste outra escolha além da prostituição. Tudo isso como culminância de pesquisas sobre dramaturgia, trabalhando o respeito às diferenças, em uma escola pública de ensino fundamental.
No próximo dia 17 de novembro, a Escola Nedaulino Vianna da Silveira, localizada em Ananindeua, realizará sua Feira da Leitura 2010, com o tema Contação de histórias: lendo o mundo através de histórias reais ou fictícias. Todas as turmas da escola são coordenadas por dois professores que decidiram democraticamente um sub-tema, a partir deste tema gerador, e fizeram pesquisas cujos resultados serão mostrados à comunidade na Feira da Leitura. Trata-se de um evento de difusão do conhecimento produzido na escola pelos próprios alunos.
Para este ano, os professores Helder Bentes, de Língua Portuguesa, e Enilce Chagas, de Matemática, coordenando uma turma de adolescentes da 8ª série, propuseram o sub-tema Ópera Profano – a dramaturgia como leitura de fatos sociais ignorados pela ideologia dominante. Os alunos estudaram a origem e evolução do teatro, a cosmovisão teatral e as peculiaridades de uma composição dramática, tendo como recurso a obra do premiado dramaturgo Carlos Correia Santos.
A peça Ópera Profano é um musical e sua primeira montagem profissional estreou em Belém em outubro deste ano, sob a direção de Guál Dídimo e Haroldo França. O cenário da trama de Correia é o Cine Ópera, um cinema que exibe filmes de sexo explícito e que é ponto de prostituição frequentado por travestis, garotos de programa e homossexuais de classe média. O mote da peça é o sonho de uma travesti contaminada pelo HIV, que agoniza na véspera do Círio de Nazaré, na hora da trasladação, e não quer morrer sem antes ver a imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Uma outra travesti rouba a imagem da Capela do Colégio Gentil Bittencourt e a leva para dentro do Cine Ópera, onde a santa tenta entender o porquê das causas da vida pregressa de cada uma das personagens e descobre que os traumas e complexos sofridos ao longo de suas vidas foram os grandes responsáveis pelos condicionamentos que os levaram à prostituição.
A primeira versão da montagem – que estará novamente em cartaz, de 25 a 28 de novembro, no teatro Margarida Schivasappa, sempre às 20h00 – é imprópria para menores. Mas, na versão montada pelos alunos da Nedaulino Vianna, com a devida autorização do autor, foram cortadas as cenas impactantes, em obediência às determinações do ECA.
“O texto é literário e tem um forte potencial didático” – explica o professor Helder Bentes, que também é colunista de literatura do portal ORM e autor do prefácio da primeira publicação em livro de Ópera Profano, quando o texto foi contemplado com o prêmio literário Cidade de Manaus, em 2007, pela editora Muiraquitã. “Procuramos nos concentrar nas questões relativas à dramaturgia, não como um fenômeno literário separado de outros gêneros e muito menos ultrapassado. Também por isso quisemos explorar o potencial de transversalidade temática desta obra do paraense Carlos Correia Santos, já que a LDB amplia em vários acontecimentos da vida social os processos formativos e prevê uma educação inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”, explica o professor.
Helder Bentes afirma que não se pode falar em desenvolvimento pleno do educando e seu preparo para o exercício da cidadania, se a escola não discutir também as questões propostas no texto de Ópera Profano. “Bullying, violência, abuso e desorientação sexual, uso de drogas, alcoolismo, homofobia, síndromes, transtornos e conflitos, que geralmente têm origem na família, fazem parte do cotidiano de nossos alunos e, de alguma maneira, se refletem negativamente no rendimento escolar e na qualidade de nosso trabalho”, afirma.
Segundo ele, a escola precisa sair dessa inércia e substituir os recursos ingênuos e ideologizados por outros que possam competir com os atuais recursos de comunicação digital que exercem influência desordenada e maléfica sobre os alunos. “E o pior é que, numa época em que alunos adolescentes fazem vídeos pornôs nos banheiros e até nas salas de aula de escolas públicas, ainda temos pais e professores que, sem sequer conhecerem o enredo da peça, acham a temática de Ópera Profano muito ‘pesada’ para adolescentes, só porque ouviram falar que há personagens travestis na trama”, desabafa o professor, que precisou negociar a participação de alunos em atividades de outras turmas, para atender a tutores que se negaram a autorizar seus filhos a participarem de uma peça sobre gays, a despeito de todo o trabalho de conscientização, baseado no ECA e na LDB, que foi feito junto à comunidade escolar, para justificar a pertinência da atividade. Trabalho este que, segundo o professor, seria desnecessário, se a escola e a familia educassem para a cidadania e o respeito às diferenças.
A iniciativa dos alunos da Nedaulino Vianna mobilizou o elenco da primeira montagem de Ópera Profano, que se solidarizou com a causa e foi pessoalmente à escola conhecê-los e lhes ministrar gratuitamente oficinas de formação de atores. Também o autor da peça os recebeu em sua casa, e os professores Helder Bentes e Edivaldo Andrade os levaram ao teatro, para assistirem a Bento Bruno, outra peça de Carlos Correia Santos, montada pelo grupo cênico da Fundação Curro Velho. A Escola Isabel Amazonas, também de Ananindeua, apoiou a iniciativa emprestando equipamentos de iluminação e instrumentos musicais, além de estudantes das oficinas de percussão do Projeto Mais Educação, para ajudarem na composição da sonoplastia, e a turma da 8ª série do Nedau, como é popularmente conhecida a Escola Nedaulino Vianna na Cidade Nova, foi dividida em equipes de figurino, cenário, iluminação, sonoplastia e infraestrutura, para garantir a montagem do espetáculo, que já tem outras apresentações agendadas para depois da estréia, às 16h30 da próxima quarta (17), no teatro da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, na Cidade Nova IV
Carlos Correia Santoscarloscorreia.santos03@gmail.com
Como parte de projeto pedagógico, alunos montam espetáculo teatral que aborda temáticas delicadas
Uma peça de teatro cujo enredo expõe os preconceitos e vulnerabilidades a que estão sujeitos travestis e garotos de programa, a hipocrisia de quem os discrimina, mas explora a baixa autoestima dessas pessoas e as condições criadas para que não lhes reste outra escolha além da prostituição. Tudo isso como culminância de pesquisas sobre dramaturgia, trabalhando o respeito às diferenças, em uma escola pública de ensino fundamental.
No próximo dia 17 de novembro, a Escola Nedaulino Vianna da Silveira, localizada em Ananindeua, realizará sua Feira da Leitura 2010, com o tema Contação de histórias: lendo o mundo através de histórias reais ou fictícias. Todas as turmas da escola são coordenadas por dois professores que decidiram democraticamente um sub-tema, a partir deste tema gerador, e fizeram pesquisas cujos resultados serão mostrados à comunidade na Feira da Leitura. Trata-se de um evento de difusão do conhecimento produzido na escola pelos próprios alunos.
Para este ano, os professores Helder Bentes, de Língua Portuguesa, e Enilce Chagas, de Matemática, coordenando uma turma de adolescentes da 8ª série, propuseram o sub-tema Ópera Profano – a dramaturgia como leitura de fatos sociais ignorados pela ideologia dominante. Os alunos estudaram a origem e evolução do teatro, a cosmovisão teatral e as peculiaridades de uma composição dramática, tendo como recurso a obra do premiado dramaturgo Carlos Correia Santos.
A peça Ópera Profano é um musical e sua primeira montagem profissional estreou em Belém em outubro deste ano, sob a direção de Guál Dídimo e Haroldo França. O cenário da trama de Correia é o Cine Ópera, um cinema que exibe filmes de sexo explícito e que é ponto de prostituição frequentado por travestis, garotos de programa e homossexuais de classe média. O mote da peça é o sonho de uma travesti contaminada pelo HIV, que agoniza na véspera do Círio de Nazaré, na hora da trasladação, e não quer morrer sem antes ver a imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Uma outra travesti rouba a imagem da Capela do Colégio Gentil Bittencourt e a leva para dentro do Cine Ópera, onde a santa tenta entender o porquê das causas da vida pregressa de cada uma das personagens e descobre que os traumas e complexos sofridos ao longo de suas vidas foram os grandes responsáveis pelos condicionamentos que os levaram à prostituição.
A primeira versão da montagem – que estará novamente em cartaz, de 25 a 28 de novembro, no teatro Margarida Schivasappa, sempre às 20h00 – é imprópria para menores. Mas, na versão montada pelos alunos da Nedaulino Vianna, com a devida autorização do autor, foram cortadas as cenas impactantes, em obediência às determinações do ECA.
“O texto é literário e tem um forte potencial didático” – explica o professor Helder Bentes, que também é colunista de literatura do portal ORM e autor do prefácio da primeira publicação em livro de Ópera Profano, quando o texto foi contemplado com o prêmio literário Cidade de Manaus, em 2007, pela editora Muiraquitã. “Procuramos nos concentrar nas questões relativas à dramaturgia, não como um fenômeno literário separado de outros gêneros e muito menos ultrapassado. Também por isso quisemos explorar o potencial de transversalidade temática desta obra do paraense Carlos Correia Santos, já que a LDB amplia em vários acontecimentos da vida social os processos formativos e prevê uma educação inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”, explica o professor.
Helder Bentes afirma que não se pode falar em desenvolvimento pleno do educando e seu preparo para o exercício da cidadania, se a escola não discutir também as questões propostas no texto de Ópera Profano. “Bullying, violência, abuso e desorientação sexual, uso de drogas, alcoolismo, homofobia, síndromes, transtornos e conflitos, que geralmente têm origem na família, fazem parte do cotidiano de nossos alunos e, de alguma maneira, se refletem negativamente no rendimento escolar e na qualidade de nosso trabalho”, afirma.
Segundo ele, a escola precisa sair dessa inércia e substituir os recursos ingênuos e ideologizados por outros que possam competir com os atuais recursos de comunicação digital que exercem influência desordenada e maléfica sobre os alunos. “E o pior é que, numa época em que alunos adolescentes fazem vídeos pornôs nos banheiros e até nas salas de aula de escolas públicas, ainda temos pais e professores que, sem sequer conhecerem o enredo da peça, acham a temática de Ópera Profano muito ‘pesada’ para adolescentes, só porque ouviram falar que há personagens travestis na trama”, desabafa o professor, que precisou negociar a participação de alunos em atividades de outras turmas, para atender a tutores que se negaram a autorizar seus filhos a participarem de uma peça sobre gays, a despeito de todo o trabalho de conscientização, baseado no ECA e na LDB, que foi feito junto à comunidade escolar, para justificar a pertinência da atividade. Trabalho este que, segundo o professor, seria desnecessário, se a escola e a familia educassem para a cidadania e o respeito às diferenças.
A iniciativa dos alunos da Nedaulino Vianna mobilizou o elenco da primeira montagem de Ópera Profano, que se solidarizou com a causa e foi pessoalmente à escola conhecê-los e lhes ministrar gratuitamente oficinas de formação de atores. Também o autor da peça os recebeu em sua casa, e os professores Helder Bentes e Edivaldo Andrade os levaram ao teatro, para assistirem a Bento Bruno, outra peça de Carlos Correia Santos, montada pelo grupo cênico da Fundação Curro Velho. A Escola Isabel Amazonas, também de Ananindeua, apoiou a iniciativa emprestando equipamentos de iluminação e instrumentos musicais, além de estudantes das oficinas de percussão do Projeto Mais Educação, para ajudarem na composição da sonoplastia, e a turma da 8ª série do Nedau, como é popularmente conhecida a Escola Nedaulino Vianna na Cidade Nova, foi dividida em equipes de figurino, cenário, iluminação, sonoplastia e infraestrutura, para garantir a montagem do espetáculo, que já tem outras apresentações agendadas para depois da estréia, às 16h30 da próxima quarta (17), no teatro da Igreja de Nossa Senhora do Amparo, na Cidade Nova IV
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